Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia
CARTA DE PRINCÍPIOS ÉTICOS SOBRE
DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS DIRIGIDA À PRÁTICA DE GINECOLOGISTAS E
OBSTETRAS.
A FEBRASGO, Federação Brasileira de Ginecologia e
Obstetrícia, sociedade científica que tem a responsabilidade de orientar e
normatizar a conduta de seus associados e associadas, ginecologistas e
obstetras, com a finalidade de tornar efetiva na prática médica a garantia dos
direitos sexuais e reprodutivos,
(1) CONSIDERANDO que os direitos humanos
das mulheres e das meninas são parte inalienável, integral e indivisível dos
direitos humanos, que são universais, interdependentes e inter-relacionados (V.
Declaração Universal, de 1948; Declaração dos Direitos Humanos de Viena, de
1993, artigo 18; e Plataforma de Ação de Pequim, de 1995);
(2)
CONSIDERANDO que os direitos reprodutivos também integram os direitos humanos
(v. Conferência sobre População e Desenvolvimento do Cairo, de 1994; e
Conferências Internacionais de Copenhaguem e Pequim);
(3) CONSIDERANDO
que a preservação e a garantia dos direitos humanos das mulheres e dos direitos
sexuais e reprodutivos dependem da adoção de todas as medidas apropriadas para
eliminar a violência, a intolerância e a discriminação contra a mulher,
inclusive na esfera dos cuidados médicos, para assegurar, em condições de
igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos, tanto curativos
como preventivos (Convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação contra a mulher, de 1979, artigo 12);
(4) CONSIDERANDO que
a discriminação, a intolerância e a violência contra a mulher, no âmbito público
ou privado, constituem grave violação aos direitos humanos e limitam total ou
parcialmente o exercício dos demais direitos fundamentais, (v. Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher;
Convenção de Belém do Pará, de 1994).;
(5) CONSIDERANDO que o Brasil
RATIFICOU os instrumentos internacionais que dispõem sobre a garantia dos
direitos humanos, entre os quais estão os direitos das mulheres e os direitos
reprodutivos;
(6) CONSIDERANDO que a Constituição Brasileira de 1988
consagra como princípio fundamental a dignidade humana e afirma que o
planejamento familiar é livre decisão do casal, cabendo ao Estado propiciar
recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer coerção, nos termos de seu artigo 226, parágrafo 7º;
(7)
CONSIDERANDO que a Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, regulamentou o aludido
preceito constitucional, tratando do planejamento familiar no âmbito do
atendimento global e integral à saúde, bem como definindo-o como o conjunto de
ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição,
limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal;
(8)
) CONSIDERANDO que o abortamento é um direito da mulher quando autorizado por
dispositivos legais ou pelo sistema jurídico fundado nos princípios democráticos
de respeito à dignidade humana;
(9) CONSIDERANDO, também, que é grave o
padrão de violação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres:
§
que grande parte das mulheres não tem acesso a métodos anticoncepcionais
eficientes e seguros de forma contínua;
§ que o estupro e o sexo sob
coação constituem parte do cotidiano de muitas mulheres, que são agredidas e
desrespeitadas inclusive por seus próprios companheiros;
§ que um número
ainda maior de mulheres não tem como prevenir-se da contaminação por doenças
sexualmente transmissíveis causadas por seus próprios companheiros;
§ que
a mortalidade materna continua atingindo níveis muito elevados;
§ que é
muito grande o número de mulheres que morrem ou suportam seqüelas físicas e
psíquicas, muitas vezes irreversíveis, em razão da prática de abortamentos
inseguros;
§ que a mulher com direito ao abortamento legalmente
autorizado ou permitido pelo sistema jurídico não tem acesso a serviços médicos,
que deveriam garantir material e plenamente o exercício desse direito;
§
que muitas mulheres, diante de diagnósticos ominosos para ela, relacionados com
o prosseguimento da gravidez, não têm garantida materialmente a possibilidade de
optar pela interrupção da gestação;
(10) CONSIDERANDO que a violação dos
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres limita dramaticamente as suas
oportunidades na vida pública e privada, bem como reduz as suas oportunidades de
acesso à educação e ao pleno exercício dos demais direitos; e
(11)
CONSIDERANDO que a privação dos direitos sexuais e reprodutivos tem causado a
morte de muitas mulheres e acarretado doenças e impedimentos
evitáveis.
RESOLVE
ADOTAR os seguintes PRINCÍPIOS
ÉTICOS:
1º) Homens e mulheres, para o pleno exercício dos direitos
humanos sexuais e reprodutivos fundados na dignidade de sua condição humana,
devem ser tratados com respeito à sua liberdade, à sua autonomia e à sua
auto-determinação individual, (a) para que possam exercer o seu direito de
desfrutar de uma vida sexual plena, que seja satisfatória, saudável, segura, sem
discriminação, sem coerção e sem violência, e (b) para que seja reconhecida a
sua capacidade de decidir sobre o controle de sua fecundidade, sobre a
oportunidade da gravidez, sobre a quantidade de filhos que pretendam ter e sobre
o espaçamento entre eles.
2º) Todos os recursos científicos, no âmbito
público e privado, devem ser garantidos e disponibilizados para que homens e
mulheres efetivamente exercitem seus direitos sexuais e reprodutivos
3º)
O pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos implica também o
reconhecimento e a garantia dos seguintes direitos:
a-) o direito à vida,
para que nenhuma mulher seja exposta a risco desnecessário em virtude de
gravidez, parto ou abortamento inseguros, quando cumpre os requisitos
determinados pela legislação, podendo a gestante, inclusive, tomar a decisão
final quanto à interrupção da gestação diante de um prognóstico ominoso para
ela;
b-) o direito à liberdade, à segurança pessoal e a uma vida livre de
violência, para que nenhuma mulher seja submetida a gravidez, esterilização ou
abortamento forçados;
c-) o direito à igualdade e a uma vida livre de
toda forma de discriminação, inclusive no que diz respeito à vida sexual e
reprodutiva, para que a todas as mulheres e homens seja garantida a necessária e
eficaz proteção em face de qualquer violência, abuso ou exploração sexual,
tortura ou intolerância por orientação sexual;
d-) o direito à informação
e à educação, incluindo informação sobre sexualidade que promova a liberdade de
decisão e igualdade de gênero, garanta o acesso à informação completa sobre os
benefícios, riscos e efetividade de todos os métodos de regulação da fertilidade
e prevenção de doenças, possibilitando, assim, decisões com base em um
consentimento livre e informado;
e-) o direito à liberdade de pensamento,
para que homens e mulheres não sejam submetidos a interpretações restritivas de
ideologias religiosas, crenças, filosofias e costumes, instrumentalizadas para
controlar a sexualidade, para estabelecer pauta de conduta moral no âmbito da
sexualidade e para limitar o exercício de quaisquer direitos nas áreas da saúde
sexual e reprodutiva;
f-) o direito à privacidade, para que todos os
serviços de atenção à saúde sexual e reprodutiva garantam a
confidencialidade;
g-) o direito de decidir casar-se ou não e de planejar
e formar uma família, para que seja efetivamente assegurado o planejamento
familiar no âmbito do atendimento global e integral à saúde, com a adoção de
ações de regulação da fecundidade que garantam direitos iguais de constituição,
limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal;
h-)
o direito de decidir ter filhos e quando tê-los, para que seja garantido o
acesso a métodos anticoncepcionais, à gestação e ao parto seguros;
i-) o
direito à proteção e cuidado com a saúde, para que seja garantido o acesso pleno
aos serviços de saúde de mais alta qualidade possível e a não sujeição a
práticas que sejam prejudiciais à saúde; e
j-) o direito aos benefícios
do progresso científico, para que seja garantido o acesso pleno às novas
tecnologias de saúde, seguras, efetivas e aceitáveis.
4º) Aos homens cabe
a responsabilidade pessoal e social, em face de seu próprio comportamento sexual
e de sua fertilidade, pelos efeitos que acarretam para a saúde e o bem-estar de
suas companheiras e filhos.
5º) Às mulheres deve ser assegurado o direito
a (a) uma vida sexual livre de violência, coação ou risco de adquirir doença e
gravidez não desjada; (b) o controle individual de sua própria fecundidade, (c)
o exercício da maternidade sem riscos desnecessários de doença e morte, (d)
interrupção da gravidez nos casos legalmente autorizados ou admitidos pelo
sistema jurídico, (e) disponibilizados serviços que devem ser mantidos para o
exercício desses direitos e (f) garantido o direito às informações sobre os seus
direitos e os serviços que os assegurem.
6º) O pleno exercício dos
direitos sexuais e reprodutivos, em sua complexidade, exige:
(a) a
adoção de políticas públicas que assegurem elevado padrão de saúde sexual e
reprodutiva, garantindo-se o acesso a informações, meios e recursos seguros e
disponíveis, bem como ao progresso científico.
(b) a promoção da equidade
entre os sexos, bem como a modificação de padrões sócio-culturais para a
eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias baseadas na idéia de
inferioridade e superioridade de qualquer dos sexos, ou em função de
estereótipos de homens e mulheres.
7º) Aos associados e às associadas da
FEBRASGO, ginecologistas e obstetras, caberá reconhecer, compreender e respeitar
os princípios éticos desta carta, atuando, na prática de suas atividades, para
garantir materialmente a sua efetiva e plena aplicação.
Copyright © 2005, 12 maio, 2005 , Febrasgo, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia